quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fernando Pessoa - Um drama em gente

“Os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia.”


“Nada em sua vida é surpreendente – nada, exceto seus poemas.”

“O seu segredo, para mais, está escrito no seu nome: Pessoa quer dizer personagem e vem de personna, a máscara dos actores romanos. Máscara, personagem de ficção, ninguém: Pessoa”.
Octavio Paz

OS HETERÔNIMOS

Os heterônimos são invenções de personagens completos, que têm uma biografia própria, estilos literários diferenciados, e que produzem uma obra paralela à do seu criador.

São três os heterônimos de Fernando Pessoa considerados perfeitos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
O primeiro surge em 8 de março de 1914. Os outros viriam logo em seguida.
“Sou um poeta dramático; tenho, continuamente, em tudo quanto escrevo, a exaltação íntima do poeta e a despersonalização do dramaturgo”.


“Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias, os escreveria.
(...) Não há que buscar em quaisquer deles idéias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler”.
(Fernando Pessoa)

ALBERTO CAEIRO
"Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso."

Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição à sua poesia, como podemos observar nos 49 poemas da série O Guardador de Rebanhos. Segundo Pessoa, foram escritos na noite de 8 de março de 1914, de um só fôlego, sem interrupções. Esse processo criativo espontâneo traduz exatamente a busca fundamental de Alberto Caeiro: a completa naturalidade.


“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é. Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...”


Caeiro escreve com a linguagem simples e o vocabulário limitado de um poeta camponês pouco ilustrado. Pratica o realismo sensorial. Constantemente opõe à metafísica o desejo de não pensar. Faz da oposição à reflexão a matéria básica das suas reflexões.


“Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?    A de serem verdes e copadas e de terem ramos    E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,    A nós, que não sabemos dar por elas.    Mas que melhor metafísica que a delas,    Que é a de não saber para que vivem    Nem saber que o não sabem?”

Caeiro coloca-se, portanto, como inimigo do misticismo, que pretende ver “mistérios” por trás de todas as coisas. Busca precisamente o contrário: ver as coisas como elas são, sem refletir sobre elas e sem atribuir a elas significados ou sentimentos humanos:


“Os poetas místicos são filósofos doentes,   E os filósofos são homens doidos.   Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem   E dizem que as pedras têm alma   E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas as flores, se sentissem, não eram flores,   Eram gente;   E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras;   E se os rios tivessem êxtases ao luar,   Os rios seriam homens doentes.”

Procura, de forma coerente e lógica, afastar-se da reflexão sobre Deus.


“Pensar em Deus é desobedecer a Deus,    Porque Deus quis que o não conhecêssemos,    Por isso se nos não mostrou...”

Seguindo esta linha de pensamento religioso, Caeiro escreve um poema muito ousado sobre o menino Jesus. No poema VIII de O Guardador de Rebanhos, destituído de santidade, Cristo é representado como uma criança normal: espontânea, levada, brincalhona e alegre. Nisso, está a religiosidade de Caeiro.

Em perfeita consonância com sua busca de simplicidade e espontaneidade, Alberto Caeiro escreve versos livres (sem métrica regular) e brancos (sem rimas).

2 comentários:

  1. Fernando Pessoa é um grande poeta! Depois de ler sobre seus heterônimos e sua biografia própria, lembrei de uma frase de Alberto Caeiro onde dizia: "Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas: a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra todos os dias são meus.''

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