segunda-feira, 28 de junho de 2010

Capitães da areia - trailer


Assisti hoje ao teaser do filme Capitães da areia, de Cecília Amado, mais uma adaptação do romance de Jorge Amado para o cinema. É só um trailer, mas podemos ver alguns momentos marcantes da história. Achei interessante, principalmente a cena do carrossel. Vou deixar o link abaixo para que vocês, queridos alunos do 1º Ano, especialmente, possam acessar e assistir. Depois, gostaria que voltassem aqui, nessa postagem, e comentassem. Observem, para isso, a que partes ou momentos do romance as cenas do trailler fazem referência.

http://www.youtube.com/watch?v=JGqlIu0IxIo

Um abraço.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago: para sempre.

José Saramago, escritor português - ganhador do Nobel de Literatura em 1998

São poucas as coisas a que não nos acostumamos na vida. A morte é uma delas. Sabemos que ela faz parte da vida e é necessária à própria manutenção da vida. Mas insistimos em ignorá-la, ou a mantê-la distante, ou a achar que é só para os outros que ela vem, ou ainda que ela não vai chegar. Mas ela chega. Até mesmo para os escritores. Hoje meu dia foi triste. Pra mim e pra todos que o amavam. Perdemos José Saramago.
Fui apresentada à escrita de Saramago quando cursava Letras na UFJF. Minha professora de Literatura Portuguesa tinha grande admiração por ele e pediu que lêssemos Memorial do Convento. Não era o tipo de leitura a que estava acostumada e logo de cara achei difícil encarar um texto em que raramente se via um parágrafo e a pontuação era "a gosto do autor". Mas comecei a ler, porque precisava, e me encantei com a história, os personagens - Blimunda, a vidente, Baltasar Sete Sóis, seu amante, o padre Bartolomeu Gusmão, o visionário -, a construção barroca do texto, a poesia das frases, as reflexões políticas e filosóficas. Saramago tornou-se, então, um dos meus autores favoritos.
Depois li Levantado do chão, A jangada de pedra, A caverna. E o que mais gostei: Ensaio sobre a cegueira. Esse livro nos faz pensar. É impossível não se sentir diferente depois de lê-lo. É uma daquelas experiências literárias inesquecíveis. Uma cegueira branca que toma toda uma cidade, depois o país, e que não tem explicação. Mas que coloca às claras a capacidade do ser humano de esquecer sua humanidade, sua civilidade, e tornar-se mais bicho do que homem, governado pelo instinto de sobrevivência acima de tudo. Por outro lado, vemos também o quanto podemos nos irmanar na dificuldade, o quanto podemos ser solidários e ajudar uns aos outros mesmo estando cegos e debilitados. Assim como em Memorial do convento, em Ensaio sobre a cegueira os personagens são inesquecíveis: o médico que fica cego no contato com um doente; a mulher dele que é a única não afetada pela cegueira, mas se finge cega para ficar perto do marido; o ladrão que não aguenta a pressão da cegueira e da quarentena a que os primeiros cegos são submetidos e acaba morto. Um livro fantástico, um presente do autor.
Queria José Saramago para sempre vivo, sempre escrevendo, sempre presenteando a todos os seus leitores com suas histórias, suas fábulas fabulosas, sua visão cética e aguda do mundo e da vida, sua poesia em prosa, seu texto encantatório. Mas se isso não é possível - e há que se, pelo menos tentar, acostumar com a morte -, me conforta saber que em seus livros ele estará sempre presente.
Em uma aula, essa semana, citei uns versos de Drummond que são muitos especiais pra mim e cabem aqui como homenagem ao querido Saramago:
"Amar o perdido
Deixa confundido o coração.
Nada pode o olvido
contra o apelo
sem-sentido do não.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas
essas ficarão".

Um abraço.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Livro digital 2

A postagem sobre o livro digital do dia 25 de maio recebeu três comentários bastante interessantes sobre o assunto. Para que todos possam ler, estou postando aqui o que o Hugo, o Rodrigo e a Flora escreveram. Abraços.

"Essa é um questão legal de ser abordada, afinal temos receios de abandonar os velhos livros de papel, mas também, é inegável que reduzindo a produção de papel, estamos colaborando muito com o meio ambiente. Nesse caso, temos a tecnologia a favor da preservação ambiental".   (Hugo Fernandes)

"Como foi dito,evitar a propagação do livro digital caracteriza um pensamento utópico.
Como qualquer outra forma de mídia digital,esse novo formato possibilita maior rapidez e praticidade em sua utilização.Ele se encaixa perfeitamente na vida corrida que o cotidiano atual exige da maioria das pessoas,estando compactado num computador,celular,notebook ou qualquer outra espécie de aparato eletrônico que o torne viável.
Sua acessibilidade logo torna-se maior.Não só pelo fato de estar em qualquer um dos objetos citados,mas pelo fato de ser,em muitos casos,comercializado com preço menor.Isso é válido para os países que possuem uma lei específica antipirataria para o mundo digital.No restante,ele nem se quer é comercializado pois a possibilidade de download e a oferta de homepages que os fornecem gratuitamente descartam a aquisição formal de um exemplar.
Outra vantagem de seu uso é o fato de ser virtual e portanto não agredir o meio ambiente diretamente.Caso semelhante aconteceu com os cd's e posteriormente,com os DVD's - o que vem obrigando muitas gravadoras e produtoras hollywoodianas a mudarem estratégias de lançamento e consequentemente,modos de promover suas produções.
Há quem ainda não se habituou - como eu - a usar essas versões digitais dos livros.Outros já preferem e anunciam o fim das versões físicas,por tantos anos utilizada.O fato é que,independentemente da preferência,a cultura ganhou mais uma forma de atrair leitores e educar uma grande maioria que ainda não buscam o contato literário".      (Rodrigo)

"Hoje em dia cada vez mais nos acostumamos com a facilidade que a tecnologia nos trás. E é notória a praticidade que todos esses meios de informação nos dá. Se queremos pesquisar sobre algum assunto, basta pegar o celular e ter acesso a qualquer tipo de informação. Esse tipo de assunto é importante ser discutido, e levanta uma série de questões, que a maioria das pessoas confortáveis com a praticidade, não pensam. Há pouco tempo li um texto de Joefel Cagampang, que escreve artigos sobre educação, onde ele levanta alguns pontos importantes. Qualquer computador conectado à internet tem acesso a quase todo o conhecimento da humanidade, em contrapartida, poupa nossa mente da habilidade necessária de raciocínio, de procura por informação. Um aluno que precisa fazer um trabalho ou um dever de casa só precisa abrir a internet e fazer a pesquisa, mas a experiência de aprendizado é perdida pela principal razão de que não é o aluno que faz a pesquisa, mas o site. E o processo de aprendizado fica pra trás. Quando fazemos pesquisa em livros, cada texto que lemos procurando pelo assunto principal, captamos mais informação. Além disso tudo, ainda existem muitas questões a serem discutidas, como por exemplo o meio ambiente. Talvez o Rodrigo saiba responder isso melhor, mas o desmatamento para a impressão de livros, jornais, revistas, e outros, é em número absurdo. Fica em questão, até aonde essa tecnologia é favorável?
Caso alguém se interesse, está aí o artigo: http://www.goarticles.com/cgi-bin/showa.cgi?C=2683678
Parabéns pelo blog, Samira. beijos".        (Flora)

sábado, 12 de junho de 2010

Pátria Minha

Em tempos de Copa do Mundo, quando todos nos irmanamos no amor à pátria e no "orgulho de ser brasileiro", lembrei-me de um poema de um dos meus mais queridos poetas e gostaria de deixá-lo aqui para nossa reflexão. Um abraço.

                           Pátria Minha
                                          (Vinicius de Moraes)

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:

"Pátria minha, saudades de quem te ama...

Vinicius de Moraes."

domingo, 6 de junho de 2010

"Eletrônicos duram 10 anos; livros, 5 séculos" (Umberto Eco)

MILÃO – O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. “Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade” – é a sua preferida. “Não li nenhum”, começa a segunda. “Se não, por que os guardaria?”
Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros (“muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques”, informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril.
A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento – naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada – encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. “Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes”, comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.
Aos 78 anos, Umberto Eco exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco conversou com a reportagem do Sabático.

O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?
O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.

Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?
A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar – muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa – é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.

Não é possível prever o futuro da internet?
Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.

Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?
O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias – de Paris a Nova York, por exemplo – sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?

É possível existir contracultura na internet?
Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.

Em um determinado trecho de ‘Não Contem Com o Fim do Livro’, o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória – que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.
De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos – até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?

No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.
Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.

Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?
Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto – o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.

Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?
Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil – o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.

Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?
Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).

Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.
E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas – por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia O Pêndulo de Foucault, fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.

Por falar em ‘O Pêndulo de Foucault’, comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código Da Vinci, de Dan Brown.
Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: “O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros.” Respondi: Não é que eu não goste de você – afinal, eu criei você (risos).

Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?
De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.

Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?
Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. “Por quê?”, perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances – até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.

O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?
Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro A Estrutura Ausente. Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em O Pêndulo de Foucault.



Ubiratan Brasil, para o Caderno 2 do Estadão. Extraído de DigitalManuscripts
Postado por: PDL / Categoria: Informação e Cultura, Papo Cabeça Umberto Eco assina novo trabalho em parceria com o roteirista francês Jean-Claude Carrière.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Era uma vez

Assisti recentemente a um filme brasileiro ótimo, embora tristíssimo, que me levou inevitavelmente à comparação com a tragédia de Tristão e Isolda.  Mais especificamente com uma tragédia posterior e que tem muitos elementos semelhantes a essa: Romeu e Julieta. Chama-se Era uma vez e conta a história de um garoto da favela que se apaixona por uma menina da Vieira Souto. Fora a paixão dos dois, há o contexto do morro e do asfalto, do pobre e do rico, que aponta como em muitos outros filmes brasileiros para a desigualdade social que se mostra explícita na paisagem da cidade maravilhosa.
Trata-se o filme de uma tragédia e quem for assistir não espere um final feliz. Como no clássico de Shakespeare, os amantes estão fadados desde o início à infelicidade. Afinal, é um amor impossível. Dois mundos tão diferentes não podem se misturar, mesmo que sejam dois jovens inocentes e apaixonados que tentem isso. Assim, uma série de enganos leva os dois a um final dramático que me fez chorar horrores. E não riam de mim porque tenho certeza que muita gente choraria. É inevitável não ficar penalizado diante da cena final. E não é só isso. O filme nos faz refletir sobre uma realidade que é muito nossa: dois jovens, cheios de sonhos, que tentam mudar seu destino e ficar juntos, mas são impedidos pelas circunstâncias, pelo preconceito, pelo medo, pela injustiça do sistema a que todos nós estamos subjugados.
O filme também me fez pensar em um outro romance que o pessoal do 1º Ano está lendo: Capitães da areia, do Jorge Amado. O menino do filme não é órfão como os meninos do livro, mas está inserido numa realidade tão cruel quanto. Talvez mais.  Ele não tem pai, mas tem mãe. Uma mãe trabalhadora, que tenta proteger os filhos mantendo-os afastados da criminalidade que impera no morro. Um dos filhos quer ser jogador de futebol, mas acaba sendo assassinado por outro garoto, chefe do tráfico, que o inveja. O outro, o mais velho, acaba sendo preso. Só sobra para a mãe, o filho mais novo, o nosso Romeu, que cresce sendo honesto e se esquivando dos perigos do morro e do asfalto, mas também sem sonhos, sem estudos, sem projetos. Até se aproximar dela, a menina que ele admira na varanda do prédio rico em frente à praia, onde trabalha vendendo cachorro-quente num quiosque. Então, ele começa a sonhar, a planejar o futuro, a querer estudar, quer merecê-la, ter o direito de amá-la. Ela, por sua vez, procura viver no seu mundo, fazer parte. Ambos não conseguem. Um dos meninos de Jorge Amado também vive um amor assim fatídico. É Pedro Bala com sua Dora. Também amor trágico, destruído pelo mesmo sistema injusto e cruel.
Bom, Era uma vez vale por tudo que eu disse antes e também pelos atores Thiago Martins e Vitria Frates que conseguem dar aos protagonistas o ar de inocência e doçura necessário para aumentar nossa indignação diante da tragédia a que estão fadados. Assistam.