sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago: para sempre.

José Saramago, escritor português - ganhador do Nobel de Literatura em 1998

São poucas as coisas a que não nos acostumamos na vida. A morte é uma delas. Sabemos que ela faz parte da vida e é necessária à própria manutenção da vida. Mas insistimos em ignorá-la, ou a mantê-la distante, ou a achar que é só para os outros que ela vem, ou ainda que ela não vai chegar. Mas ela chega. Até mesmo para os escritores. Hoje meu dia foi triste. Pra mim e pra todos que o amavam. Perdemos José Saramago.
Fui apresentada à escrita de Saramago quando cursava Letras na UFJF. Minha professora de Literatura Portuguesa tinha grande admiração por ele e pediu que lêssemos Memorial do Convento. Não era o tipo de leitura a que estava acostumada e logo de cara achei difícil encarar um texto em que raramente se via um parágrafo e a pontuação era "a gosto do autor". Mas comecei a ler, porque precisava, e me encantei com a história, os personagens - Blimunda, a vidente, Baltasar Sete Sóis, seu amante, o padre Bartolomeu Gusmão, o visionário -, a construção barroca do texto, a poesia das frases, as reflexões políticas e filosóficas. Saramago tornou-se, então, um dos meus autores favoritos.
Depois li Levantado do chão, A jangada de pedra, A caverna. E o que mais gostei: Ensaio sobre a cegueira. Esse livro nos faz pensar. É impossível não se sentir diferente depois de lê-lo. É uma daquelas experiências literárias inesquecíveis. Uma cegueira branca que toma toda uma cidade, depois o país, e que não tem explicação. Mas que coloca às claras a capacidade do ser humano de esquecer sua humanidade, sua civilidade, e tornar-se mais bicho do que homem, governado pelo instinto de sobrevivência acima de tudo. Por outro lado, vemos também o quanto podemos nos irmanar na dificuldade, o quanto podemos ser solidários e ajudar uns aos outros mesmo estando cegos e debilitados. Assim como em Memorial do convento, em Ensaio sobre a cegueira os personagens são inesquecíveis: o médico que fica cego no contato com um doente; a mulher dele que é a única não afetada pela cegueira, mas se finge cega para ficar perto do marido; o ladrão que não aguenta a pressão da cegueira e da quarentena a que os primeiros cegos são submetidos e acaba morto. Um livro fantástico, um presente do autor.
Queria José Saramago para sempre vivo, sempre escrevendo, sempre presenteando a todos os seus leitores com suas histórias, suas fábulas fabulosas, sua visão cética e aguda do mundo e da vida, sua poesia em prosa, seu texto encantatório. Mas se isso não é possível - e há que se, pelo menos tentar, acostumar com a morte -, me conforta saber que em seus livros ele estará sempre presente.
Em uma aula, essa semana, citei uns versos de Drummond que são muitos especiais pra mim e cabem aqui como homenagem ao querido Saramago:
"Amar o perdido
Deixa confundido o coração.
Nada pode o olvido
contra o apelo
sem-sentido do não.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas
essas ficarão".

Um abraço.

2 comentários:

  1. Samira, adorei o que escreveu sobre Saramago...foi justamente o que você nos disse na aula, segunda-feira. É um exercício e tanto ler seus livros, já que a pontuação deve ser interpretada não só de acordo com nosso entendimento, mas como o dele. Isso ajuda muito na interpretação também. E, com certeza, ele é eterno. Todo escritor, de qualquer gênero literário, estará sempre vivo: sua marca, seu ponto de vista do mundo, seu modo de escrever, etc, sempre ficarão registrados em suas obras.

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  2. Samira,confesso que antes de você comentar sobre Saramago na sala de aula eu ainda não o conhecia tanto, porém, ouvir você falar nele com tanta admiração despertou minha curiosidade e resolvi pesquisar um pouco mais. E hoje, posso afirmar que este é um escritor sensacional e que mesmo depois de ter partido continuará encantando aqueles que lerem suas obras.
    E aproveitando o momento gostaria de deixar aqui um dos pensamentos de Saramago que mais me chamou a atenção:
    "Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que para a maioria, é só um dia mais."
    José Saramago


    Rafaela Oliveira- 2°Ano-A

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